Livro Eletrônico
LOBATO, Monteiro. Urupês, vol. I, série Obras Completas de M. Lobato, Editora Brasiliense, São Paulo, p. 281 e 282, 1959.)
Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!Jeca marcador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher – cocos de tucum ou jissára, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas; ou artefatos de taquara-póca – peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador; ou utensílios de madeira mole – gamelas, pilõesinhos, colheres de pau.Nada mais.Seu grande cuidado é espremer todas as conseqüências da lei do menor esforço – e nisto vai longe.Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.Ás vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem o equilíbrio; inútil, portanto, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam?Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo?No mais, umas cuias, gamelinhas, um pote esbeiçado, a pichorra e a panela de feijão.Nada de armários ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois parelhos; um que traz no uso e outro na lavagem.Os mantimentos apaióla nos cantos da casa.Inventou um cipó preso à cumieira, de gancho na ponta e um disco de lata no alto: ali pendura o toucinho, a salvo dos gatos e ratos.Da parede pende a espingarda picapau, o polvarinho de chifre, o S. Benedito defumado, o rabo de tatu e as palmas bentas de queimar durante as fortes trovoadas. Servem de gaveta os buracos de parede.Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para que? Vive-se bem sem isso.
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
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